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A Mostra contará um pouco da história do uso dos oratórios, apresentando uma visão geral dos estilos dos diferentes oratórios resguardados no Museu do Diamante e algumas particularidades sobre esses acervos. Através dela o visitante saberá um pouco da origem das Folias de Reis e de sua expressão em Diamantina.



O oratório doméstico era um lugar ou objeto para a vivência da devoção privada de indivíduos e da família que figura, desde a Idade Média, como parte da dinâmica da religiosidade doméstica na Europa, com ampla adesão no reino de Portugal desde o século XV e tendo o seu apogeu nos séculos XVIII e XIX. Na América Portuguesa, principalmente em Minas Gerais, os séculos XVIII e XIX foram os períodos em que mais se produziu oratórios domésticos, podendo ser considerados elementos indissociáveis da religiosidade doméstica colonial.
O Museu do Diamante resguarda uma variada coleção de oratórios em seu acervo, e diante da relevância histórica no uso desses objetos é que foi criada essa Mostra.
Neste contexto, são exibidas as características dos oratórios estilo D. João V, estilo D. José I, do fabricado por Caetano Luiz de Miranda e do oratório de Lapinha. Os oratórios de lapinha costumam trazer cenas da representação do nascimento de Jesus Cristo e eram utilizados como presépios em celebrações natalinas.

O primeiro modelo de oratório ficou conhecido como estilo D. João V, que foi usado entre os séculos XVIII e XIX, e é marcado pela riqueza dos materiais, pela magnificência das partes e pela vasta gama de ornamentos.
Esse estilo faz parte da arte rococó. É bastante evidente em cada parte da mobília as linhas curvadas, escudos, bola e de pés no formato de garra. Uma peça com características típicas da região de Minas Gerais
O estilo português continuou com sua tradição de usar a interação entre a madeira escura que reflete a luz como decoração; conceito primário aliado à beleza marcante da região tropical.
Com estrutura em caixa retangular, em madeira entalhada, policromada e dourada, com cimalha abaulada e duas folhas de porta ornadas por motivos florais, as rosinhas de Malabar.
O segundo estilo de oratório apresentado em nossa mostra ficou conhecido como Dom José I, e integra a categoria do mobiliário rococó mineiro. Esse padrão de móveis portugueses foi produzido em moldes pré-industriais entre o final do século XVIII e o início do século XIX. Para muitos estudiosos, o estilo Dom José I integra a terceira fase do estilo D. João V, e foi muito utilizado por Aleijadinho, o artífice eleito como um dos principais representantes do chamado Barroco Mineiro.
Os oratórios sob o estilo Rococó, que tanto em Portugal como em Minas Gerais são reconhecidos como estilo Josefino ou Dom José I, o tema do Calvário ocorre somente com a representação escultórica, com um fundo meramente decorado com elementos florais. Nos oratórios portugueses essa cena é representada em peças de imaginária e, ao fundo, a decoração floral. A composição ‘imaginária-fundo floral’ também ocorre com outras iconografias além daquelas que abordam o tema da Paixão.

Natural do Arraial do Tijuco, o sargento-mor Caetano Luís de Miranda (1774-1837) foi um dos pintores mais significativos da região diamantífera no começo do século XIX. Suas obras podem ser vistas em diversas capelas de Diamantina e Serro, onde notamos uma suave passagem do partido Rococó (séc. XVIII) para Neoclássico (séc. XIX). Seu estilo é facilmente reconhecível pelo uso de uma técnica composicional refinada e clareza ilustrativa.
Pintou duas sibilas em 1799, para cobrir os altares da Igreja de Nossa Senhora das Mercês em Diamantina, a pintura do Forro da Sacristia da Igreja de São Francisco de Assis de Diamantina de 1795, as pinturas de Forro e as laterais da Igreja do Bom Jesus de Matozinhos, 1797, e pintura da Nave da Igreja Matriz de Santana em Inhaí, distrito rural de Diamantina. Para o forro da capela-mor da Igreja de Santana, pode-se ter ocorrido a participação conjunta de Caetano e o guarda-mor José Soares de Araújo. Este último era proveniente da cidade de Braga (Portugal), e deixou na região de Diamantina significativa produção pictórica, documentada, de estilo Barroco.
O Museu do Diamante possui em seu acervo um oratório pintado em 1828 e assinado por Caetano, o qual tem grande correlação com a estampa de Andrea Pozzo e com o estilo das pinturas da Igreja de Matozinhos do Serro. Pozzo trazia a ideia de que era possível construir uma falsa arquitetura, inclusive para construção de altares. Era possível construir altares como esse, ainda que em matéria frágil, para se modificar o templo em festividades religiosas, ou seja, “falsos altares”. Comprovação da utilização da técnica de Pozzo pode ser vista na segunda imagem. Os anjinhos são representações dos aspectos da vida, idealizados na beleza angelical e juvenil.

No acervo preservado no MD, existem variados modelos de oratórios, e entre eles o oratório de lapinha, também denominado de maquineta. O termo “lapinha” era utilizado por fazerem a imitação das grutas e serem confeccionados em calcita – mineral encontrado em lapas de Minas Gerais; e “maquineta” pelos oratórios serem envidraçados e possuir duas partes: a parte superior representa o calvário (Paixão de Cristo) e a parte inferior o presépio (nascimento de Jesus Cristo).
Esse tipo de oratório possibilitava ser usado em diferentes ocasiões festivas, como o Natal e a Paixão de Cristo.
A origem dos presépios se deu em 1223, através de uma pregação feita por São Francisco de Assis, onde o mesmo criou uma forma teatral para mostrar às pessoas como teria acontecido o nascimento de Jesus. Com autorização do papa da época, construiu um cenário vivo, impressionando a todos que viam a cena. Com isso, as famílias que assistiram ao espetáculo adotaram o costume de montar um presépio dentro de suas casas, sendo que o costume foi rapidamente difundido por toda a Europa, por famílias mais nobres. Porém, a partir do Séc. XV, os presépios passaram a ser fabricados em materiais mais baratos, a fim de proporcionar essa importante parte da história de Jesus a todos os cristãos.

A Folia de Reis éum festejo ligado ao culto católico do Natal, onde se encena a jornada dos três Reis Magos, vindos do oriente, para louvar o nascimento de Jesus Cristo. De origem ibérica, a Folia teria chegado no Brasil ainda no século XVI, por meio dos Jesuítas, e expressava o intuito de catequização dos povos indígenas e, posteriormente, dos negros escravizados. A Folia de Reis é nos dias atuais uma expressão da religiosidade popular e do sincretismo marcantes na cultura.
A Folia de Reis tem particularidades em cada local onde se manifesta, mas com algumas características gerais: entre os dias 25 de dezembro e 6 de janeiro (dia de Santos Reis), os foliões visitam diversas casas, levando bênçãos, música e alegria. As comitivas não apresentam um número fixo de participantes, e em geral são compostas por figuras como o “mestre violeiro”, “contra-mestre”, também violeiro, e o “alferes da bandeira”, que é quem carrega a bandeira dos Santos Reis.
Também merecem destaque as figuras do “palhaço” ou “marungo”, que na simbologia da festa representam os soldados de Herodes que seguiram os Reis Magos até o local de nascimento do menino Jesus com o objetivo de entregá-lo ao tirano. Ao chegar em uma casa, os foliões geralmente se dirigem ao presépio e são entoadas rezas e cantos com funções específicas, puxados pelos violeiros e respondidos pelo coro, composto de diferentes instrumentos. Depois de cumprir com o ritual e receber a “esmola”, que consiste geralmente em comida e bebida, a comitiva agradece e segue seu caminho.

A Folia de Reis acontece tradicionalmente na cidade de Diamantina e em alguns distritos da região. Os moradores das casas costumam caprichar na montagem dos presépios para receber os foliões. Nestes presépios chama a atenção a mistura entre as crenças católicas, africanas e indígena, além da criatividade dos moradores que muitas vezes incorporam ao cenário elementos diversos, tais como bonecos e brinquedos infantis. Atualmente, o município conta com 23 grupos de folias e pastorinhas, com mais de 400 participantes. Em janeiro de 2020, através do Projeto Viva Santos Reis – Cortejo de Fé da Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Patrimônio, aconteceu o II Encontro de Folias e Pastorinhas de Diamantina na Praça do Mercado Velho. O Projeto, entre outras estratégias apresenta também o rico calendário festivo, de grande importância histórica, pois, registra memórias de uma bagagem colonial construída por muitos povos. O encontro que agora passa a integrar esse calendário procura agrupar pessoas, tradições convergentes, apesar das diferenças de gênero de idade, de faixa social, de escolaridade, e outras que possa haver. Esse espaço possibilita com que todos posam se olhar como iguais, que todos possam formar uma comunidade agregadora e geradora de fortes laços de pertencimento, companheirismo e cumplicidade entre os que preservem o passado e aqueles que estão tentando descobrir o futuro*.
*Texto de Márcia Betânea Oliveira Horta sobre o Projeto Viva Santos Reis – Cortejo de Fé.

O Museu do Diamante/Ibram possui em seu acervo os curiosos “oratórios de lapinha”, que são característicos da religiosidade mineira e representam a cena do nascimento de Jesus. Dessa forma, a instituição vem promovendo a tradição popular e recebendo a Folia de Reis, como aconteceu nos anos de 2017, 2019 e 2020. O MD recebeu a visita do grupo de Folia de Reis Unidos do Vale do bairro Cidade Nova em dezembro de 2017. Em 2019 recebemos a visita do grupo de Folia de Reis citado anteriormente, e em janeiro de 2020 o grupo de Folia de Reis Santa Rita de Cássia de Sopa, distrito de Diamantina.
CRÉDITOS:
Planejamento e execução:
- Gabriel Eugênio de Sales
- Gisele Cheron César.
- Juliane Nicolle Câmara
- Lavinya Gonçalves Lara
- Marcela Mazzilli Fassy
- Paulo Victor Diniz e Silva de Oliveira
- Sandra Martins Farias
Bibliografia:
- ARAUJO JUNIOR, Delson Aguinaldo de. CAETANO LUIZ DE MIRANDA UM PINTOR ROCOCÓ NA COMARCA DE SERRO FRIO. XII EHA –ENCONTRO DE HISTÓRIA DA ARTE –UNICAMP, 2017.
- ARAUJO JUNIOR, Delson Aguinaldo de . Análise da produção pictórica da Capela do Senhor do Bom Jesus de Matozinhos na Cidade do Serro. Universidade Federal de Ouro Preto. Instituto de Filoso-fia, Artes e Cultura, 2015.
- Dom João V (1700 D.C – 1750 D.C). Disponível em <http://www.roselleantiguidades.com.br/time/html/europa/portugal/domjoaov/domjoaov.html>. Acesso em 04 de nov. de 2020.
- GOULART, Gabriel, KAWAKAMI, Vítor. O Livro de Reis – A Folia de Reis em Milho Verde-MG. Milho Verde: Sempre-Viva Editorial, 2013.
- Lançamento da série de Postais “Museu e Memória”. Disponível em<http://museudiamante.blogspot.com/2011/12/lancamento-da-serie-de-postais-museu e.html>.Acesso em 04 de nov. de 2020.
- Oficina de artesanato – oratórios de caixa de leite. Disponível em <https://st2.ning.com/topology/rest/1.0/file/get/3163499604?profile=original>. Acesso em 04 de nov. de 2020.
- Oratório de Lapinha. Disponível em <https://artsandculture.google.com/asset/lapinha-oratory unknown/ZwEuMxkpCByn5g?hl=pt-br>. Acesso em 04 de nov. de 2020.
- Presépio. Disponível em <https://mundoeducacao.uol.com.br/natal-1/presepio.htm>. Acesso em 04 de nov. de 2020.
- Rococó. Disponível em <https://www.historiadasartes.com/nomundo/arte-barroca/rococo/>. Acesso em 02 de nov. de 2020.
- RODRIGUES, Lucas. ‘Decorar para indicar’–A ornamentação Rococó nos oratórios domésticos devocionais como elemento de indicação iconográfica: Portugal e Minas Gerais –séculos XVIII-XIX. ROCALHA–Revista eletrônica do Centro de Estudos e Pesquisas em História da Arte e Patrimônio da UFSJ, Ano I, vol. I, 2020.
- SILVA, Mateus Alves. O TRATADO DE ANDREA POZZO E A PINTURA DE PERSPECTIVA EM MINAS GERAIS. Belo Horizonte, 2012.
Fontes iconográficas:
- https://museudodiamante.acervos.museus.gov.br/acervo-museologico/oratorio-de-pousar-3/
- https://museudodiamante.acervos.museus.gov.br/acervo-museologico/oratorio-de-pousar-5/
- https://museudodiamante.acervos.museus.gov.br/acervo-museologico/oratorio-de-pousar-6/
- https://museudodiamante.acervos.museus.gov.br/acervo-museologico/31656-2/
- https://museudodiamante.acervos.museus.gov.br/acervo-museologico/oratorio-de-pousar-com grupo-escultorico-religioso-3/