Instituto Brasileiro de Museus

Museu do Diamante

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NOVEMBRO NEGRO NO MUSEU

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publicado: 12/11/2021 16h45, última modificação: 03/11/2022 14h42

O sincretismo cultural e religioso brasileiro está associado à Diáspora Africana e à coexistência em solo brasileiro de povos advindos de diversas partes da África, detentores de costumes, religiões e línguas diversas, trazidos à força nos navios negreiros e submetidos à realidade brutal da sociedade escravista. Diante de um cenário em que a Igreja Católica proibia manifestações das crenças originárias dos povos escravizados e procurava impor a fé cristã, o sincretismo apresenta-se como uma forma de resistência (um meio pelo qual os povos escravizados encontraram maneiras de continuar, ainda que de forma velada, praticando suas crenças e venerando sua ancestralidade) e também de adaptação à realidade do Brasil escravista (formação de laços de solidariedade e fortalecimento de uma memória coletiva entre pessoas trazidas à força de diversas partes do continente africano).

Nesse contexto, sistemas religiosos como o candomblé e a umbanda – esta última reunindo elementos das culturas africana, indígena e cristã – se desenvolveram e se multiplicaram por diversas regiões do território brasileiro, assumindo especificidades e feições próprias em cada localidade. Uma das formas em que o sincretismo se expressa é por meio da associação de mitologias e divindades africanas às histórias de vida dos santos católicos. Assim, entidades como os Orixás, seres relacionados às forças da natureza e que apresentam marcantes traços de personalidade, foram sendo associados a divindades cristãs, de forma que pudessem continuar sendo cultuados apesar das proibições da Igreja.

Historicamente, as religiões de matriz africana foram alvo de repressão e perseguições, e o preconceito e desconhecimento acerca deste universo infelizmente ainda existe nos dias atuais.

A ação virtual “Novembro Negro no MD: O Sincretismo Cultural e Religioso no Brasil” tem como objetivo contribuir para a promoção do conhecimento acerca das religiões de matriz africana, e levar até você um pouco do nosso acervo de arte sacra sob um olhar diferente, ligado à diversidade e à riqueza da cultura brasileira.

Iansã é uma orixá guerreira, de temperamento forte e personalidade marcante, sendo considerada a mais valente das Yabás (orixás femininos). Orixá dos ventos e tempestades, tem o poder de encaminhar os mortos (eguns) ao Orum (mundo espiritual). Sua representação é a de uma mulher majestosa e sedutora, e suas cores são o vermelho, o rosa e o marrom. Na mitologia Iorubá, foi esposa de Xangô, o qual a roubou de Ogum. Por sua ligação com Xangô, Iansã é associada aos raios e trovões, elementos controlados por seu amado e que pertencem a ela por extensão. Iansã está relacionada à paixão, à intensidade e à impulsividade. Seu dia é 4 de dezembro e sua saudação “Epahey Oyá!” (pronuncia-se eparrei oiá). Seus símbolos são a espada, o chifre de boi e o Eruexim (rabo de cavalo), com o qual controla e afasta o espírito dos mortos. Seu dia da semana é quarta-feira.

No sincretismo religioso, Iansã é associada a Santa Bárbara, que segundo a fé cristã foi condenada à tortura e à morte por se recusar a negar Cristo. Santa Bárbara foi degolada pelo próprio pai, que se negava a aceitar sua fé. Um raio o atingiu imediatamente após a execução da filha, daí a associação com Iansã. Santa Bárbara também está relacionada à proteção contra raios e tempestades.

Oxalá é considerado pelas religiões de matriz africana o Pai maior, o mais respeitado dos orixás, e por isso representa, no sincretismo religioso, a figura de Jesus Cristo. Segundo a mitologia iorubá, Oxalá foi o primeiro orixá, concebido por Olodumaré e encarregado de criar o universo e todos os seres existentes. Dessa forma, todos os orixás estão de alguma maneira reunidos em Oxalá e divididos em várias qualidades de suas duas configurações principais: Oxalufã (Oxalá mais velho, cujo atributo é um cajado) e o Oxaguiã (Oxalá mais novo, cujo atributo é uma espada). Representa a paz e o amor incondicional. É um orixá apaziguador, ligado ao equilíbrio e à serenidade. Oxalá é alheio a toda a violência, disputas, brigas; gosta da ordem, da limpeza e da pureza. Sua cor é o branco, que se configura como a cor da criação e que representa todas as possibilidades, guardando a essência de todas as demais cores. Oxalá representa a totalidade, sendo o único Orixá que reside em todos os seres humanos: todos são seus filhos. É homenageado no dia 25 de dezembro (Natal), e seu dia da semana é a sexta-feira.

Xangô é o orixá da Justiça, que rege os domínios do fogo, expresso nos raios e na lava dos vulcões. Foi coroado Rei de Oyó (que corresponderia a uma importante cidade na atual região da Nigéria, segundo a mitologia ioruba), e está ligado ao exercício inflexível do poder, inclusive por vias autoritárias. No entanto, possui forte senso de justiça e uma postura sábia, o que o tornou amado por seus súditos. Ele expressa a autoridade dos grandes governantes, mas também detém o poder mágico, já que domina o mais perigoso de todos os elementos da natureza: o fogo, que divide com sua esposa Iansã. O poder mágico de Xangô reside no raio, no fogo que provoca destruição e ao mesmo tempo ilumina os caminhos. Rege os domínios da justiça e das questões jurídicas, por isso seu símbolo é um machado de duas lâminas, indicando que olha para os dois lados de cada situação. É representado pelas cores marrom, vermelho e branco; seu dia da semana é a quarta-feira e sua saudação é “Kaô Kabecilê”.

No sincretismo religioso pode estar associado a três diferentes santos católicos, a depender da região do Brasil: São Jerônimo, São João Batista ou São Pedro. São João, representado nesta construção pictórica presente no acervo do MD, foi o profeta que veio anunciar a chegada do Messias e que batizou Jesus Cristo.

Nanã é considerada pela mitologia iorubá a mais velha das Yabás (orixás femininos), respeitada como mãe por todos os outros orixás. É uma divindade de origem simultânea à criação do mundo, e representa os mistérios, o nascimento, a vida e a morte. De temperamento brando, acolhe e orienta seus filhos, como uma grande matriarca de muita sabedoria. Representa a velhice, a experiência de vida e os aprendizados mais profundos. Seus domínios são os lagos, os pântanos e a lama; está ligada ao barro que serviu, na mitologia iorubá, para a modelagem e criação dos homens. As cores de Nanã são o branco, o lilás e o roxo, sendo “Salubá, Nanã” a sua saudação.

No sincretismo religioso, Nanã representa Sant’Ana, mãe de Maria e avó de Jesus Cristo, homenageada no dia 26 de julho. Na tradição cristã, Sant’Ana já era idosa e estéril quando seu marido, São Joaquim, retirou-se para o deserto para realizar uma penitência, tendo-lhes sido concedida a graça de, em seguida, conceber Maria, aquela que seria mãe de Jesus.

Iemanjá é considerada a rainha das águas salgadas, mas também dos rios que correm para o mar. Seu nome deriva da expressão iorubá Yeye Omó Ejá, que significa “mãe cujos filhos são peixes”. É considerada a Grande Mãe dos orixás, e simboliza a maternidade, o amor materno, a fertilidade e a abundância. Representada como uma linda mulher de longos cabelos, Iemanjá é considerada uma orixá vaidosa, que gosta de receber presentes e de ter seus filhos por perto. Suas cores são o azul, o branco e o prateado; seu dia da semana é o sábado e sua saudação é “Odoyá”.

É tradicionalmente cultuada no dia 2 de fevereiro, sobretudo na Bahia, onde ocorrem diversas e importantes festas em sua homenagem. No entanto, pelo fato de ser sincretizada com Nossa Senhora da Imaculada Conceição (que no dogma católico representa Maria, mãe de Deus, concebida sem pecado), também é homenageada no dia 8 de dezembro – dia de Nossa Senhora da Conceição que, por seus atributos ligados à maternidade, acabou sendo associada a Iemanjá.

Oxossi é o rei das matas, deus caçador, senhor da floresta e de todos os seres que nela habitam. Seu culto está relacionado às famílias reais que controlavam a antiga cidade de Kêto, e perdeu forças no território africano na medida em que seus adoradores foram sendo paulatinamente vitimados pela escravidão – entretanto, isso fez com que o culto a Oxossi se fortalecesse no Brasil e nas Antilhas, o que possibilitou o renascimento de Kêtu, não como um estado, mas como importante nação religiosa do Candomblé.   

Guardião dos mistérios da floresta, Oxossi é caçador por excelência e possui grande poder de cura, já que domina o conhecimento sobre as ervas. É o Orixá da fartura e da riqueza, ligado às formas mais arcaicas da sobrevivência humana, como a coleta e a caça, domínios deste orixá. Oxóssi representa também o domínio da cultura sobre a natureza, a busca do homem por mecanismos que lhe possibilitem dominar os perigos da mata e alimentar a tribo. Dessa forma, seu símbolo é o arco e flecha, instrumento do caçador Oxossi, cujos atributos estão ligados à astúcia, inteligência e cautela: segundo a mitologia iorubá, Oxossi possui uma única flecha, representando o caçador habilidoso que não desperdiça as chances de alcançar seus objetivos. Em razão de sua destreza e sabedoria, está relacionado à busca pelo conhecimento e à realização de metas. Suas cores são o verde e, para algumas tradições religiosas, o azul turquesa.  Sua saudação é “Oké Arô”.

No sincretismo religioso, pode ser associado a diferentes santos a depender da região do país, como São Sebastião (que foi executado com flechadas), São Jorge (o santo guerreiro) ou São Miguel, o anjo que caçava os demônios com o poder de sua implacável espada.

FONTE:
1 – Candomblé. A panela do segredo – Pai Cido de Osun Eyin – 2000
2 – Santuário Nacional da Umbanda/ Federação Umbandista do Grande ABC (FUGABC)