Historiador/pesquisador: Marco Antônio Xavier
Edifício, acervo e implantação
Origem administrativa
Criado pela Lei nº 2.200, de 12 de abril de 1954, o Museu do Diamante tem como missão “recolher, classificar, conservar e expor elementos característicos das jazidas, formações e espécimes de diamante ocorrentes no Brasil, bem como objetos de valor histórico relacionados com a indústria daquela mineração, em face dos aspectos principais do seu desenvolvimento, da sua técnica e sua influência na economia e no meio social do antigo Distrito de Diamantina e de outras regiões do país”.
No decorrer de suas atividades, o Museu do Diamante, fez parte do quadro de diversos órgãos1 como o Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (DPHAN) e a Fundação Pró-Memória, que eram vinculados ao Ministério da Educação e Cultura. Posteriormente, a Fundação Nacional Pró-Memória e seus órgãos subordinados foram transferidos para o Ministério da Cultura, criado pelo Decreto nº 91.144, de 15 de março de 1985. Com a extinção e dissolução da Fundação Pró-Memória através da Lei nº 8.029, de 12 de abril de 1990, o Museu integrou o Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural – IBPC constituído pela mesma lei e cuja finalidade era a promoção e proteção do patrimônio cultural brasileiro nos termos da Constituição Federal. Pela Medida Provisória nº 610, de 08 de setembro de 1994, o Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural passa a denominar-se Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, no qual o Departamento de Museus e Centros Culturais – DEMU, criado no âmbito daquele Instituto, no segundo semestre de 2003, foi responsável pela gestão dos Museus, inclusive o Museu do Diamante. Atualmente, o Museu integra o Instituto Brasileiro de Museus – IBRAM, autarquia federal do Ministério da Cultura, criado pela Lei nº 11.906, de 20 de janeiro de 2009.
Origem do Tijuco/Diamantina
O Arraial do Tijuco foi ocupado no início do século XVIII (1713), tendo sido descoberto ouro em alguns dos rios da região. Há indicações de que já se garimpava diamantes no início da década de 1720, muito antes da participação da “descoberta” ao Rei de Portugal, em 1729. Antes do “Tijuco”, a única outra fonte desta riqueza eram as minas da Índia.
Por causa do alto valor desta pedra preciosa e da facilidade para seu contrabando, em 1730 a Coroa baixa o Regimento Diamantino, uma série de normas que controlavam a extração, o comércio e o transporte dos diamantes. Com a criação da Intendência dos Diamantes, em 1734, houve um aumento no controle da extração, com uma maior rigidez e presença militar; também desta época é a determinação da Demarcação Diamantina, uma vasta área ao redor do Arraial, que acabou por transformar aquele espaço em um “estado dentro do estado”, com regras próprias e independência administrativa.
Até 1771, vigeu o Sistema de Contratos, onde um “contratador” arrematava os serviços de extração dos diamantes, substituído pela Real Extração, onde a Coroa Portuguesa assumia o controle total das atividades de extração e comercialização. Este novo sistema vigorou até o início do Império e deve ter funcionado (pois não há documentação a respeito) até a criação do Tesouro Público Nacional, em 1831, que substituiu o Erário Régio, responsável pela Real Extração. É desse ano também, a elevação do “povoado” do Tijuco2 em Vila Diamantina e, mais tarde, em 1838, ela se torna cidade.
Localização da “casa do Padre Rolim”
Com a análise de um mapa3 da cidade de Diamantina, de 1774 , vemos no detalhe uma construção com 2 ou 3 divisões no local do edifício do Museu (figura 1).
A legenda diz:
“Pequena planta do Arraial do Tejuco – contem este Arraial sete Templos, estes vão numerados nos seos lugares como adiante se mostra, contem mais 567 cazas, estas se mostrão nos lugares escurecidos com pardo, e quazi todas inda no centro do mesmo Arraial, tem pateo, úas maiór, otras menór conforme a comodidade de cada úma, as linhas que se mostrão na planta são os muros que dividem os quintáes, os pontinhos são caminhos que saem do mesmo Arraial. Este esta situado na descida de um morro e se estende quazi até a falda, é toda estas acompanhada de úm regato, que se intitúla Rio de S. Francisco, todos os lugares onde acompanha úa sombra azúl a úm risco prêto são valos com algúa agua, qe vão dar ao mesmo Rio.
N1 – Sto Antonio, Igreja, Matriz
N2 – Snra do Rozario, Igreja dos Prêtos
N3 – Snr do Bomfim, Capelinha
N4 – S. Francisco de Paula, Igreja dos Terceiros do Carmo
N5 –Snra da Conceição, Igreja dos Terceiros Franciscanos
N6 – Snra do Amparo, Igreja dos Pardos
N7 – Sta Quiteria, Capelinha”
Um outro mapa4, de 1784, mostra uma construção com 5 ou 6 aposentos, mais duas construções em separado, uma no lugar do pátio atual e outra no quintal do Museu (figura 2), esta com o Rio Tijuco – grafado Teiuco, passando encostado a um de seus lados (talvez, pela proximidade com o rio, se tratasse de um moinho ou cozinha).
Quando se projeta esta planta no traçado atual (figura 3) há alguma coincidência, mas devemos lembrar que aqueles mapas não tinham a intenção de serem cópias fieis da ocupação dos terrenos individualizados, mas da situação geral da localidade (arraial).
Mas podemos inferir, pela situação e traçado do rio, que ele passava mais próximo do prédio do Museu; talvez, para a canalização do Tijuco, tenha-se feito um novo trajeto, mais para os fundos do terreno, para onde ele foi desviado. De qualquer forma, uma escavação (trincheira) ao longo de parte do terreno poderia desvendar a posição original daquela construção (moinho?) e do leito original do Tijuco, com suas margens “pantanosas”, como escreveu Saint-Hilaire. Aliás, o nome tijuco vem da Língua Geral Paulista, língua usada pelos bandeirantes, com base no português e no tupi, e quer dizer “lamaçal”.
Sobre escavações, há de se notar a dificuldade (ou mesmo impossibilidade) de prospecção arqueológica no barranco nos fundos do quintal, devido aos desmoronamentos do terreno decorrentes de chuvas (em 1961 e 2011) e também dos taludes e andaimes (com movimentação de terra) que foram feitos para as obras de contensão e (re)construção do muro. Na base deste barranco se encontram as duas minas de ouro (esgotadas e abandonadas) do terreno, com praticamente nenhuma literatura a respeito de sua prospecção, utilização e abandono. De uma delas (mina norte) é captada a água que abastece o Chafariz, geminado ao Museu.
As mudanças da posse do imóvel
A casa do Padre Rolim deixou de ser de sua propriedade como resultado de seu envolvimento e participação ativa na Inconfidência Mineira, melhor identificada como Conjuração Mineira. Todos os bens dos conjurados foram “seqüestrados” pela Coroa Portuguesa (registrados nos Autos de Devassa) e os de certo valor postos em leilão. Por esta razão, a casa foi arrematada por José Soares Pereira da Silva em 1799 (dez anos após a Conjuração), que não pagando as parcelas da compra acabou por transferi-las a Ana Clara Freire em 1809.
Cabe relembrar um trecho do Seqüestro dos Bens do Padre Rolim: “uma morada de casas térreas, com uma loja por baixo, sitas no Largo da Intendência, que partem pela parte de cima com casas de Francisco Gonçalves Seixas, e pela parte de baixo fazem canto com a bica pública, com seu quintal com água perene, e árvores”. Podemos especular que esta loja seria usada pelo escravo Alexandre, pois era “oficial de alfaiate não completo”, e fiel assistente do Padre Rolim, sendo que há nos Autos de Devassa uma relação de mercadorias como panos de linho, veludilho, baeta e cassa, além de miçangas, retrós e linhas.
Possivelmente a imagem mais antiga que se tem do edifício é uma foto de Augusto Riedel, de 1868, numa missão fotográfica para o Imperador D. Pedro II (figura 4, última casa à direita).
Modificações na edificação
O prédio do Museu sofreu algumas alterações ao longo dos anos, mas em geral elas foram localizadas, especialmente no madeirame e na alvenaria. Segundo consta do relatório/pesquisa histórica (junho 2009), através de informações do Escritório Técnico do IPHAM, os antigos proprietários, em 1942, modificaram as paredes externas (na parte frontal e lateral do edifício) e internas, substituindo a taipa original por alvenaria de tijolos (figuras 5 e 6).
Podemos imaginar algumas razões para esta troca: descaracterização da construção, diminuindo sua originalidade, numa tentativa de “desvalorização” histórica e abandono da idéia de tombamento; ou para a “melhoria” da estrutura e aparência da casa, numa tentativa de valorizá-la, já que a arquitetura setecentista (colonial) se manteve (figura 7).
Em qualquer um dos casos, é certo que a idéia de tombamentos “isolados” e desapropriações já eram discutidas abertamente e os proprietários há muito tempo pensavam a respeito, pois em 16 de maio de 1938 a cidade (juntamente com outras cinco cidades mineiras) sofrera o Tombamento do Conjunto Arquitetônico e Urbanístico. De qualquer maneira, pelo Decreto-Lei nº 5.746, de 13 de agosto de 1943, a casa (e o terreno) foi declarada de utilidade pública e desapropriada pelo Ministério da Educação e Saúde. Escritura de compra e venda (do casal Carlos Diniz Pinto e Maria Julia de Souza Pinto com a União) foi firmada em 30 de janeiro de 1944, pelo valor de Cr$55.000,00. Até este momento não há menção pública de um museu e/ou uma biblioteca, mas naquele ano de 1943, João Brandão Costa (o colaborador local do SPHAN) remete a Rodrigo Melo Franco de Andrade (então presidente do SPHAN) uma carta onde relata que alguns objetos já estavam sendo adquiridos para o acervo de um futuro museu em Diamantina.
No início de 1946, começam as obras das instalações elétricas e hidráulicas a partir dos projetos de 31 de dezembro de 1945 (figura 8).
Também em carta de 1946, Melo Franco avisa a Brandão Costa da ida do arquiteto Georges Simoni para estudar a instalação do Museu e da Biblioteca Antonio Torres, porém com a casa do Padre Rolim servindo a biblioteca e a casa do muxarabiê ao museu.
As tratativas para aquisição de todo o “acervo” da loja de antiguidades “Cabana do Pai Tomás”, de propriedade de Antonio Silva Coimbra, se dão em março de 1947 (figura 9) sendo concluídas em agosto (figura 10).
Não houve, então, qualquer seleção quanto as peças que comporiam o acervo, nem o levantamento do histórico detalhado delas; como aquele antiquário parecia mais com um “depósito de quinquilharias” (figura 11), sem um tratamento sistemático e confiável sobre a origem e aquisição das peças, fica praticamente impossível ter acesso a estas informações. Um ou outro objeto teve sua história anotada em sua ficha, mas sem a devida documentação a respeito.
Cabe lembrar que é desta época, mais precisamente de 2 de maio de 1947, a apresentação do Projeto de Lei nº 138, pelo então deputado Juscelino Kubitschek, que criaria o Museu do Diamante e a Biblioteca Antonio Torres. O texto da PL é praticamente o mesmo da Lei nº 2.200 de 1954, que efetivamente criou o Museu.
Notas:
1 – o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, órgão federal ligado, na época, ao Ministério da Educação e Saúde Pública, que substituiu (ampliou) as funções da Inspeção de Monumentos Nacionais (seção VIII do Regulamento do Museu Histórico Nacional, pelo Decreto no 24.735, de 14 de julho de 1934) e teve outras denominações, como DPHAN (Departamento) e IBPC (Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural). Hoje denominado IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), é vinculado ao Ministério da Cultura. Com a criação do IBRAM, os museus foram desvinculados do IPHAN.
2 – o Arraial do Tijuco (ou Tejuco, ou Teiuco) foi tornado Povoado em 1810.
3 – “Pequena planta do Arraial do Tejuco”, de 1774, pertencente ao AHU – Arquivo Histórico Ultramarino (Portugal), n. 255/1162, trata-se de uma aquarela colorida, de 17 x 21,7 cm. A imagem foi usada no livro “Arraial do Tijuco, Cidade Diamantina” de Aires da Mata Machado Filho, de uma cópia feita por Isabel Langarian da Fonseca do Álbum no 18 do Arquivo Histórico Colonial de Lisboa (transferido da Torre do Tombo para o Palácio da Ega); Mário Brant chegou a afirmar que fosse de aproximadamente 1750. Mata Machado afirma que a povoação contava então com 4.000 pessoas.
4 – “Planta do Arraial do Teiuco”, pertencente ao AHEx – Arquivo Histórico do Exército (Brasil), n.06.01.1131, CEH 3207. Outra aquarela colorida, de 38,9 x 52 cm. Nela consta mais uma igreja: N. S. das Mercês dos Crioulos – a Irmandade, segundo Mata Machado, foi criada em 1771, mas enquanto não construíam sua própria igreja (“finalizada” em 1784) se reuniam na Capela do Sr. do Bomfim dos Militares. No canto inferior direito lê-se: “Feito por Antonio Pinto da [Ada] 178[4]” e no canto inferior esquerdo há um petipé em braças (1 braça = 2,2 metros).